29 de agosto de 2010

A locomotiva da humanidade


A humanidade só avança pela existência das ambições dos seres humanos. Apesar de elas poderem, em alguns casos, provocar efeitos nocivos, na maior parte das vezes são vantajosas.

As ambições dos homens surgem de sua insatisfação, que faz com que os indivíduos normalmente busquem um novo objetivo para alcançar. Quando as ambições se tornam obsessões, o homem é capaz de se corromper, passando por cima de tudo e de todos. Esse é o caso da ganância, sentimento que desperta o desejo por mais dinheiro e poder, ou da inveja, que leva ao desejo pelo que é dos outros. Eles, em sua maioria, são adeptos da famosa frase, atribuída a Maquiavel, “os fins justificam os meios”. Um exemplo deste caso é Hitler, que, por sua ambição ao poder e a ideia da ‘purificação’, foi uma das principais causas para a Segunda Guerra Mundial.

No entanto, essa ambição confere sentido à existência. Sem os objetivos, não há motivos pelos quais viver. Os seres humanos estão sempre vencendo novos obstáculos e procurando outros para vencer. E, durante o caminho, a pessoa adquire aprendizado. O conhecimento adquirido por cada indivíduo pode ser usado por toda a coletividade, melhorando a vida da humanidade. Os cientistas que procuram a cura para alguma doença, como o câncer, procuram, além da satisfação pessoal e profissional, a melhoria da vida de muitas pessoas.

Portanto, percebe-se que, mesmo com alguns raros casos nocivos, as ambições são essenciais para a humanidade. Sem elas, os seres humanos não teriam avançado na velocidade em que avançam e não teriam, então, acumulado tanto conhecimento ao longo do tempo.

26 de agosto de 2010

Um apólogo

Machado de Assis


Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas por quê?

— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador.

— Você é imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:

— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.


Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:

— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Texto extraído do livro "50 contos de Machado de Assis", Editora Companhia das Letras - São Paulo, 2009, pág. 365.

3 de agosto de 2010

A luta com palavras


Existem diferentes maneiras de tentar mudar o mundo. Apesar de a luta com palavras ser mais difícil, ela é mais pacífica e efetiva do que outras.

A dificuldade existe por vários motivos. Primeiro, o locutor precisa saber quem é seu receptor e em qual situação está, e adequar seu vocabulário pensando nisso. Um gerente de uma empresa, por exemplo, não faria o mesmo discurso para seus amigos em um bar e para seus chefes em uma reunião. Outra dificuldade é a ambiguidade decorrente da possível polissemia das palavras escolhidas pelo locutor. O receptor pode interpretar de diferentes maneiras a mesma frase e, nem sempre, entender exatamente aquilo que o emissor se propôs a dizer. Por fim, aquele que ouve a mensagem pode ter convicções diferentes e tão fortes que se torna mais resistente à ideia transmitida.

Depois de vencer essas dificuldades, a linguagem verbal mostra sua maior eficiência. Ocorre o contrário da imposição de uma vontade através da força física, pela qual não há o convencimento do outro, fazendo com que este não acredite e, por muitas vezes, não concorde com o que está sendo proposto. Depois de convencidas através da linguagem verbal, muitas pessoas mudam de idéia – e passam a concordar com aquilo que está sendo defendido. A ditadura militar que ocorreu no Brasil é um exemplo, já que tentou se impor através da força e a população não se adequou a ela, buscando a volta da democracia.

Portanto, percebe-se que, apesar da dificuldade, a luta com palavras é mais efetiva. Mesmo sendo mais demorada, com certeza exerce maior influência sobre as pessoas, convencendo-as de que o motivo pelo qual estão lutando realmente é aquilo que acreditam.

(Fuvest 1997)