26 de abril de 2010

Espectros: uma conferência do arcanjo Gabriel

Bom, achei o ponto de vista desse texto interessante Nesse texto, o arcanjo Gabriel discute com outros espírito sobre a existência de "corpos vivos" - e as justificativas para que eles não existam.



Imagem de Getty Images


Vilém Flusser, Ficções filosóficas, Edusp, 1998

Senhores Espíritos: Entre os espíritos primitivos sempre existiu a crença na existência de corpos vivos. Em outras palavras, a crença de que o espírito pode encarnar-se. Essa crença é típica das ordens inferiores. E até certos espíritos jovens, de ordens mais elevadas, inclinam-se a aceitá-la.

Resumindo em poucas palavras a teoria em discussão: "Aquilo que chamamos nascimento de um espírito não é mais que a morte de um corpo vivo. E aquilo que chamamos morte de um espírito não é mais que a sua encarnação. As ideias confusas dos espíritos recém-nascidos são reminiscências de uma vida em corpo. O desaparecimento do espírito é sua passagem para um reino fantasmagóric, meio espiritual e meio corporal. A conhecida inquietação do espírito antes da morte é seu desejo de encarnar-se". Alguns espíritos exaltados até afirmam terem entrado em contato com "corpos vivos" e organizam sessões para invocá-los e conjurá-los. É verdade que certos fenômenos observados nessas ocasiões não podem ser explicados totalmente pela ciência. Mas isto não é razão suficiente para darmos crédito à realidade de coisas tão absurdas, tais como "corpos vivos". Esse conceito baseia-se numa mentalidade primitiva, incapaz de perceber que o "corpo vivo" é uma contradictio in adjectu¹. Todo esse falatório sobre os assim chamados "homens" e "animais" resulta de lógica viciada. Demontrarei esse fato indiscutível da seguinte maneira:

(...) Que significa a frase: "Corpos vivem?" Significa uma ligação entre corpo e espírito, empiricamente impossível. A única ligação possível entre esses dois elementos é o conhecimento. No ato do conhecimento, o espírito percebe, apreende e compreendde o corpo. Mas no corpo vivo o espírito influenciaria diretamente o corpo. Impulsioná-lo-ia no espaço e o moveria. Isso contradiz todas as leis da física. E essa teoria derrota-se empiricamente. Em resumo direi que, tanto teoricamente quanto praticamente, o corpo vivo é um conceito falso, uma semântica errada.

As pseudociências chamadas "biologia" e "antropologia" não merecem, portanto, nenhum crédito por parte dos espíritos cultos. Não quero negar que existam fenômenos no mundo físico que se recusem a uma fácil explicação física. Especialmente aqueles corpos viscosos que são, às vezes, encontrados no planeta Terra. Mas isso não é razão para compará-los aos espíritos e caiemos assim num pneumamorfismo primitivo². A esperança de ressucitarmos depois da morte num muco terrestre é igênua. Baseia-se numa falsa física e numa psicologia vulgarizada. Destaforma simplória não evitaremos o mistério da morte dos espíritos. A despeito do "espiritismo", a despeito da "biologia", a despeito de todas essas superstiões, continuamos espíritos, sendo jogados e tendendo para a morte.

(Aplausos frenéticos)

1- Contradictio in adjectu (expressão latina): contradição nos próprios termos em que o enunciado é exposto.
2- Pneumamorfismo primitivo: expressão criada pelo autor, com significado próximo de "formas vivas primitivas"; referência à filosofia grega, na qual o pneuma (sopro, ar) é uma espécie de princípio ou sopro vital