3 de novembro de 2014

Depois daquele beijo


Acho que sempre vai existir um cara desse tipo. Um cara que a gente nota assim que entra em algum lugar. Pra mim, esse cara era o Lucas Tavares. O Lucas era aquele moreno alto, de olhos verdes, sorriso fácil e arteiro. Nada de bom poderia sair em encarar por muito tempo aquele par de olhos. Entretanto, meninas de treze anos não pensam muito sobre o futuro. Meninas de treze anos, assim como eu, só querem saber de uma coisa: dar o seu primeiro beijo com uma cara desse tipo. E, pra mim, esse cara definitivamente era o Lucas Tavares.
O grande problema do primeiro beijo são as expectativas que criamos em torno dele. Sinceramente, acho que criamos expectativas demais pra vida em geral – mas isso já é outra história. E, como se já não bastasse esse grande conto de fadas que esperamos que vá acontecer, eu estava bem longe de ser uma linda princesa com cabelos brilhantes e sedosos iguais aos comerciais de shampoo para cabelos secos. Eu era (e ainda sou, nada mudou) baixinha, gordinha e bonitinha. O “bonitinha” era de acordo com padrinho, e mal sabia ele que isso significava “feinha arrumadinha”. Em outras palavras, a única maneira de eu conseguir que meu primeiro beijo fosse com o Lucas seria nascendo de novo.
Minha melhor amiga Maria Clara, mais conhecida como Clarinha, tinha proporções físicas similares às minhas, mas a cabeça dela vivia nas nuvens enquanto meus pés me firmavam no chão. Clarinha acreditava piamente que eu poderia, sim, ter meu primeiro beijo com o Lucas e pra isso bolou todo um plano especial em sua agenda, meio naquele estilo “Como perder um homem em 10 dias” só que ao contrário. Não sei dizer se foi o filme que a inspirou porque nem lembro em que ano ele foi lançado (não sou muito boa com datas como ela).
O plano era simples: ser convidada para festa de aniversário da Isabel Cristina, fazer com que minha mãe pagasse uma manicure, cabelo e vestido novo, ler a Capricho até decorar todas as táticas de sedução e arrumar um jeito de me deixar a sós com o Lucas. Simples só na cabeça dela! Porque, sinceramente, eu achava a parte de ficar a sós com o Lucas complicadíssimo!
Infelizmente, teimosa que só ela, minha querida amiga conseguiu me convencer a ser cúmplice daquele plano mais insano que a prima de segundo grau da minha mãe que decidiu raspar a cabeça e viver de luz. E, por incrível que pareça, eu consegui tudo o que eu queria. Ou melhor, quase.
Fiz minhas unhas com minha manicure preferida, a Neusa. A cabelereira fez uma trança nos meus fios lisos e loiros (fiquei até com cara de gente, e só ver as fotos!) e meu vestido era um pretinho básico (enganar a pancinha, né?) lindo de morrer. Mas, quando a Clarinha me empurrou – nada discreta – para o lado do Lucas, tudo o que ele disse pra mim foi:
“Faz um esquema pra eu ficar com a Isabel?”.
Minha vontade era de chorar até meus olhos sangrarem. Entretanto, lady que só eu, sorri e disse:
“Fala com a Simone, ela é a melhor amiga da Isa.”.
Passei o resto da festa sentada comendo brigadeiro, vendo os dois dançarem abraçadinhos na minha frente e o cara mais nerd da sala foi jogado para cima de mim pelos amigos idiotas do Lucas. E, como se a tragédia não fosse suficiente, o Rafael Bastos, nerd desengonçado, caiu sentado – não sei como ele fez isso – na cadeira ao meu lado bem na hora que virei na direção dele e acabamos dando um selinho.
Nem preciso dizer que nunca mais fui a nenhuma festa de aniversário da Isabel Cristina, né? E, foi depois daquele beijo que eu descobri que expectativas são pra idiotas e a realidade é realmente sem os adesivos ou as canetas colorida que a Clarinha usa nas agendas dela (sim, até hoje!).