25 de dezembro de 2013

Além do Natal

FELIZ NATAL!

Hoje vim colocar um conto natalino que escrevi! Eu postei ele no Wattpad há algum tempo (veja aqui) e espero que vocês gostem!

Imagem adaptada do CanStockPhoto

Já fazia mais de um mês que minha irmã tinha partido. Não conseguia me acostumar. Nós estávamos sempre juntos, compartilhávamos todos os segredos, até que ela resolveu ir embora, sem me contar. É claro, ela também não esperava, mas fazer o quê?
Este seria o primeiro Natal que passaríamos sem ela. Ninguém lá em casa estava animado. Normalmente era ela que animava o pessoal, que comprava a decoração e saía enfeitando a casa, que organizava o nosso ‘amigo secreto’ e que fazia com que todos entrássemos no clima natalino.
Era dia 24 de dezembro, próximo à hora da ceia, mas ainda estava no cemitério, sozinho, sobre o túmulo da minha irmã, com flores em mãos. Eu não poderia deixar de passar o natal a seu lado. Tenho certeza que o resto da família entenderia.
*
Eu estava lá, chorando, debruçado sobre seu túmulo quando ouvi um ruído.
– Poxa, é a ceia de Natal e você está aqui chorando no cemitério? Não fique deprê assim não! – era sua voz. Eu nunca me confundiria. Mas como aquilo era possível?
Quando me virei lá estava ela. Era a Aline. Não tinha como errar. Ela só estava um pouco mais pálida do que o normal. Mas, ainda assim, era minha irmã.
– O q-q-que você está fazendo aí? – perguntei assustado. Com certeza estava ficando louco. Sentia tanta falta dela que comecei a imaginar coisas.
– Ué, você queria passar a ceia de Natal aqui comigo. Eu tinha que aparecer! Você não tem noção como estou sofrendo te vendo desse jeito!
Não sabia o que responder. Eu de fato estava louco. Minha irmã, que já havia morrido, estava lá...na minha frente, conversando comigo. E eu, tonto, estava respondendo. Mas sentia tanta falta dela que nem parei para pensar. Fiquei tão feliz de vê-la novamente que me levantei e fui correndo abraçá-la. 
 – Maninha! Há quanto tempo! Você não tem ideia de como senti sua falta! – sorri. Quando a abracei, ela retribuiu. E posso garantir que a sentia como se nada de errado estivesse acontecido e ela só tivesse viajado por um tempo. – Você está bem? Como você apareceu aqui? Quer ajuda com alguma coisa? – continuei.
 – Fica tranquilo, Gu. Eu só queria te animar. A vida aqui é muito tranquila, já conheci muita gente... – ela me cutucou e deu um sorrisinho – Sabia que o Ayrton Senna está enterrado neste cemitério? Ele é super simpático, nunca imaginei! E eu, que nem gostava de corrida enquanto vivia, agora sou craque no assunto!
 Foi então que caiu a ficha o que ela estava falando. Corrida? Minha irmã tinha pirado de vez. Eu precisava levar Aline para casa e mostrar para os meus pais que estava tudo bem, e que só tínhamos nos enganado. Foi então que, ao olhar para trás, vi Ayrton Senna. O quê?! Ele já estava morto! Eu vi a corrida em que ele se acidentou. E, mesmo sendo criança quando aconteceu, me lembro nos mínimos detalhes. Chorei feito um bobo.
 – Line, como assim? Como eu estou te vendo se você já morreu? Não faz nenhum sentido. E-e-eu estou louco? – perguntei temendo pela resposta.
 Ela sorriu e me levantou pelo braço. Foi então que percebi que estávamos voando! Fomos até a cobertura de um prédio que ficava lá perto. A paisagem era linda. Tinha vista para o cemitério, uma favela ao fundo e, mais além, uns prédios altíssimos. Fiquei imaginando se alguém morava ali. 
 – Já que você quer comemorar o Natal comigo, vou te dar um ótimo Natal! O melhor de todos! – ela sorriu. – E depois, como presente, te conto um segredo...pode ser?
 – É claro! Mas eu vou cobrar o presente, hein! – respondi prontamente.
*
Aline desceu do prédio em direção ao cemitério e me deixou lá sozinho. A porta que dava para a cobertura estava aberta; não imaginavam que alguém chegaria por cima para invadir o apartamento, né? O apartamento estava vazio, exceto por umas caixas reunidas num canto. Alguém se mudaria para lá em breve, imaginei. 
Vindo do nada alguém apareceu. A casa não estava vazia. Assustado, quis me esconder o mais rápido possível. Não deu certo. Quando olhei para o outro lado vi mais uma pessoa. De onde elas apareceram? Chegaram sem fazer ruído algum. Pronto. Eu estava louco: não sabia como tinha chegado naquele apartamento e seria preso por invasão! Em pleno Natal. Já estava imaginando a bronca que meus pais dariam quando descobrissem.
Foi então que as duas pessoas que apareceram simplesmente passaram ao meu lado, me cumprimentaram e foram em direção às caixas. E começaram a empilhá-las em um formato estranho. Eu, pasmo e sem reação, me assustei ao ouvir um "BU!" atrás de mim. Aline havia voltado.
– Poxa, Line! Achei que seria preso! O apartamento não está abandonado – parei um pouco para pensar. Aquelas pessoas ignoraram minha presença. – Tem dois moradores aqui. Mas... eles não pareceram se incomodar de um estranho ter aparecido. Ainda bem.
– Gustavo, seu bobo! Eles são meus amigos! Nunca te denunciariam, também estão mortos! – olhei para ela, ainda sem entender. – Você queria uma ceia de Natal e, como a gente não come, resolvi dar uma festinha! – quando voltei a olhar para as duas pessoas que estavam mexendo nas caixas, percebi o que elas estavam fazendo: montando uma árvore de Natal feita de caixas! 
– Eu tive uma ideia! Porque você não vai lá para casa jantar com o papai e a mamãe e, quando acabar, passo lá para te trazer para a festa? – Concordei. Aline me segurou de novo e, voando, me deixou em casa, que não era tão longe dali.
*
Já estava tarde quando cheguei em casa. Entrei, como se fosse um dia normal. Minha mãe veio direto ao meu encontro, parecendo preocupada.
– Filho, por favor! Não faça mais isso! – ela parecia estar chorando faz algum tempo. Seus olhos estavam inchados. – Não suportaria perder mais um filho. – ela me abraçou, apertando forte. – Eu sei que você também deve estar sentindo muito a falta de Aline este Natal...ela iluminava a casa e trazia um espírito natalino como nenhum outro quando estava conosco.
Meus pais haviam me esperado para a ceia. Comemos. Por um momento esqueci tudo aquilo que tinha acabado de se passar pela minha mente. Eu deveria ter dormido enquanto estava no cemitério e sonhei aquilo, era a única explicação. Não comentei com ninguém. Terminei de comer e fui para meu quarto dormir.
*
Já deveria ser duas da manhã quando ouvi alguém bater na porta. Por que raios alguém bateria nesse horário? Virei para o outro lado e gritei para a pessoa entrar.
– Poxa, Gu! Esqueceu da festa que a gente preparou para você? Eu te levo, vamos lá!
Me virei assustado em direção à porta, que continuava fechada. Eu não tinha sonhado aquilo! Aline realmente havia reaparecido para mim. Em pouco menos de cinco minutos já estava pronto, e minha janela aberta para eu sair voando com Aline até aquela cobertura abandonada.
*
Chegamos lá e o apartamento estava lotado. Eu realmente não sei dizer quantas pessoas eram. Reparei que tinha até um DJ! Todo mundo estava realmente animado e dançando como se fosse o último dia da vida deles. Mas acho que isso já havia acontecido, né?
Aline me puxou para uma rodinha e me apresentou às pessoas. Ela me disse que aqueles eram seus melhores amigos desde que passou a ‘viver no cemitério’. Uma garota, aparentemente da idade dela, loira e de olhos azuis, chamada Mariana, me mandou tomar cuidado com as nozes umas dez vezes durante a festa. Depois um homem, Jaime, de terno e gravata e quase careca, com os dentes mais brancos que já vi na vida, que não parava de sorrir. Uma senhora, Doroty, que tinha cara de ter sido uma avó adorável para seus netinhos, mas que dançava como se ainda tivesse quinze anos. E um garotinho de uns 10 anos, Pedro, que tinha os cabelos raspados e olhos verdes, da cor da grama do cemitério.
O pessoal era bem legal. Todos muito animados e realmente empenhados para que meu Natal fosse o mais divertido de todos. Minha irmã realmente soube fazer com que essa data ficasse especial – mesmo sendo só em espírito, tinha certeza que ela reapareceria vezes e mais vezes só para mostrar novamente como o Natal é bom – e que não deveríamos esperar por ela para que ele fosse melhor.
*
A festa durou até o amanhecer. Às seis da manhã o apartamento ainda estava cheio. Algumas das pessoas haviam ido embora, mas minha irmã disse que eles não precisavam mais dormir, então não tinha limite de horário. Eles só sairiam mesmo quando o pessoal da mudança chegasse. Então provavelmente ficariam o dia inteiro festejando!
Pouco depois Aline me levou de volta para casa e me deixou na janela do meu quarto. E, quando ela estava prestes a sair, lembrei do que tinha me prometido: ela contaria um segredo como presente de Natal.
– Line, espera aí! Você ainda não me contou o segredo! – Ela voltou em minha direção, sorriu e sentou em minha cama.
– Gu, você sabe como eu amo o Natal, não sabe? – eu fiz que sim com a cabeça. – Antes de morrer, eu já tinha escolhido os presentes para vocês, sabia? – fiquei surpreso. Quem é que escolhe o presente de Natal dos outros em outubro? – Para vocês não encontrarem, eu escondi...
Devo ter feito cara de curiosidade, o que incentivou Aline a continuar.
– Sabe aquele quartinho que ninguém usa lá embaixo, que serve de depósito? Quer dizer, as coisas guardadas estão lá desde que a gente se mudou, né? – e soltou uma risadinha – Pois bem. Eu sempre guardei o presente de vocês lá. Vai lá dar uma olhadinha! Mas só quando acordar! Tenho certeza que o papai e a mamãe vão amar! – falando isso, me deu um beijo na testa e saiu voando pela janela. Eu não me acostumaria tão fácil a ver minha irmã voando por aí.
*
Quando acordei estava exausto. Mesmo assim me levantei. Parecia que tudo não passara de um sonho. Então me lembrei que Aline falou sobre o presente. Eu precisava ver se era verdade. Não podia ser.
Meus pais já estavam comendo sentados à mesa. Falei para eles que ia pegar minha mochila, que havia deixado no carro, e já subiria para comer com eles. Todas as chaves lá de casa ficavam juntas em uma caixinha na sala. Peguei a do depósito e desci rapidamente.
Chegando lá, nem acreditei no que vi. Era verdade. No meio de tanta bagunça, Aline tinha arrumado um cantinho. Não sei onde ela arranjou a estante, mas lá estavam todas as decorações de Natal e três embrulhos maravilhosos. Peguei os presentes e subi para entregá-los aos meus pais.
Quando me sentei, disse que tinha uma surpresa e logo contei sobre os presentes que Aline tinha nos deixado. Ao abrirem, começaram a chorar. Entre os presentes havia um vestido que mamãe andava de olho há um tempão. Meu pai ganhou a mini-churrasqueira que ele tanto queria. Agora poderia fazer churrascos na varanda de casa. Eu ganhei o PS3 que desejava. Mas o que arrancou lágrimas dos olhos de todos foi a carta que ela escreveu.
“Querida família! Mais um Natal se passa e eu queria mostrar como sou grata a vocês, por tudo. Papai, obrigada por ser maravilhoso, compreender minhas necessidades e entender como sua filhinha cresceu e precisa de todo o carinho necessário de um pai como você! Nunca desejaria qualquer outro pai no mundo!
Mamãe, eu sei que de vez em quando implico com você e com suas insistências, mas sei que você só quer meu bem – e, apesar de contestar, respeito suas opiniões. Também te desejo tudo de melhor no mundo!
Maninho! Você sabe que a coisa mais legal do mundo é te encher! Mas, mesmo assim, nunca escolheria outro companheiro para meu dia-a-dia e minhas aventuras! Obrigada por ser meu amigo em todos os momentos, mesmo quando eu não mereço. Amo muito todos vocês! E desejo um ótimo Natal a todos!”
*
No final, mesmo sem minha irmã fisicamente por perto, ela conseguiu fazer com que nosso Natal fosse especial. Foi a partir de então que descobrimos que teríamos de seguir com nossas vidas – e soubemos que ela sempre estaria conosco!
Eu, particularmente, continuo conversando com ela. E tenho certeza que vou continuar a encontrá-la durante muito tempo – e participar de muitas festas naquela cobertura que, agora, estava reformando.