27 de fevereiro de 2013

O Dono da Voz

Oi, gente!

Há um mês atrás, postei um capítulo do que pode vir a ser um livro! Agora vou postar a continuação!

Por favor, me deem as opiniões de vocês! Quero saber o que estão achando da história! (:

Se você não leu o começo, clique aqui!



      Primeiro dia de aula, depois de dois meses de férias. Dois meses que deveriam ser normais, mas ficaram absolutamente estranhos depois que me mudei. Quer dizer, só fazia duas semanas desde que mudei para meu apartamento novo... E duas semanas em que eu não conseguia dormir direito. Cheguei na escola cansada, é claro. Eu passara a noite em claro, e tinha vindo para escola parecendo uma zumbi.  Era óbvio que eu dormiria durante alguma aula.

            Assim que cheguei, procurei meu nome na lista para ver de qual classe eu era. Depois de analisar meus colegas de sala, percebi que um aluno novo entrara na escola, na minha sala. Fazia tempo que ninguém entrava, eram basicamente as mesmas pessoas desde sempre. Por isso o aluno novo era sempre o centro das atenções.

            Meu irmão estava na mesma série que eu. Ele tinha repetido um ano, e agora tinha o próprio grupinho na minha série. Nós nunca caíamos na mesma sala, por sermos irmãos. A escola só tinha duas salas a cada série, e a sala variava a cada ano.

            Entrei na sala de aula, procurando um lugar para sentar. Normalmente, sentava na parede, ao lado de uma das minhas amigas, a Julia, mas esse ano ela caiu na outra sala. Sentei no lugar com o qual estava acostumada e esperei que alguém ocupasse o lugar da Ju. Foi o aluno novo. Ele era alto, tinha cabelos castanhos, era bronzeado e forte, e seus olhos verdes brilharam ao olhar para mim

            — Tem alguém sentado aqui? — Perguntou em uma voz doce e melodiosa. Uma voz que não me era desconhecida. Era aquela voz. Que me assombrava toda noite. É claro que me assustei com aquilo. Eu deveria estar imaginando coisas, isso era impossível. Com certeza era o sono falando. Ele não podia ser o dono da voz que não me deixara dormir direito nas últimas semanas. Percebi que não conseguiria dormir durante a aula.

            — Acho que não, né? — Perguntou aquela voz de novo. Levei um susto. Tinha esquecido que ele estava parado ali. O menino sentou-se na cadeira ao lado da minha — Bom, está tudo bem com você? — Assenti com a cabeça. Não queria deixar transparecer o tanto que ouvir sua voz havia me chocado. — Bom, eu sou novo aqui. Meu nome é Gustavo. Como você chama? — Eu já sabia o nome dele. Tinha visto na lista. Resolvi me recompor.

            — Sou a Anna. — Disse, sorrindo. — Desculpe não responder direito antes, eu estou com um pouco de... sono. Não tenho dormido direito ultimamente. — Será que ele sabia que eu morava no apartamento no qual ele, ou a voz dele, aparecia toda noite? Será que ele perceberia que era ele o culpado pelas minhas noites serem tão ruins?

            Parece que não sabia de nada disso.

            — Tudo bem. — Respondeu ele, sorrindo timidamente. — Espero que você consiga dormir melhor agora... quer dizer, com as aulas começando e essas coisas, sabe? 

            A professora entrou na sala. Não consegui falar outra coisa para o menino novo. Só virei a cara e olhei para nossa professora. Eu realmente não consegui prestar atenção na aula. Não só por causa do cansaço como também por causa do dono da voz estar bem do meu lado – e ser mais bonito do que eu poderia imaginar. Depois de um tempo, pensei em uma coisa que eu não tinha pensado antes. Como é que o Gustavo consegue passar tanto tempo acordado? E eu ficava realmente ouvindo a voz dele, por isso não conseguia dormir. E ele?  

            Depois de meu dia de aula, resolvi descobrir se era ele mesmo quem me assombrava de noite. Também quis ouvir o que ele falava. Antes me esforçava para não ouvir, tentava simplesmente fingir que eu era meio louca da cabeça. Mas depois que ouvi a voz de Gustavo na escola, percebi que eu não estava apenas imaginando. Era impossível não reconhecer aquela voz. Impossível.    

            Estávamos jantando com minha mãe e meu padrasto. Comi rapidamente. Estava com muita vontade de chegar a meu quarto e ouvir o que Gustavo conversava tão animadamente... sozinho. Todos estranharam minha pressa — ultimamente não tenho tido tanta pressa para ir a meu quarto. Quer dizer, eles não sabiam que eu não estava dormindo direito, não sei realmente o que eles pensavam.


            Cheguei no meu quarto um pouco cedo demais. Não esperava que a voz aparecesse lá antes das dez. O horário, normalmente, era entre as dez e cinco. Enquanto esperava, fiz meu dever de casa — sim, eu tenho dever de casa logo no primeiro dia de aula. Mas nem precisei esperar tanto. Hoje a voz apareceu antes que de costume, uma hora antes. Parei de fazer o que estava fazendo e comecei a prestar atenção no que ele dizia.

            — Obrigado pela carona! Tudo bom? — Ele esperou uma resposta. Ninguém respondeu, mas ele continuou. — Comigo também. E aí, o que aconteceu de estranho hoje? — Ele ficou mais um tempo quieto, como se esperasse alguma resposta. — Nossa, como assim? Eu não achava que vocês se reuniam para conversar sobre isso! — Pareceu meio surpreso com o que a suposta pessoa tinha dado.           

            — Há mais de quatro meses venho conversar com você e nunca tinha me dito isso, sério, estou com vergonha agora! — Ele não parecia o tipo de cara que ficaria com vergonha. — é, Aline, mas não precisa conversar sobre mim com suas novas amigas, né?          

            Pronto. Consegui o nome da ‘amiga imaginária’ dele. Aline. Tá, agora queria confirmar que era ele. Abri a porta de meu quarto e andei até o fim do corredor. Meu irmão estava na sala, vendo algum jogo com meu padrasto.

              — Anninha, não tinha ido dormir? — Perguntou ele, carinhosamente.         
  
          — Eu estava me preparando para dormir e... fiquei com sede. Vou até a cozinha para pegar uma garrafinha de água para levar pro meu quarto.

             Segui em direção a cozinha, mas antes de chegar lá, garanti que nenhum dos dois estivesse me vendo para que conseguisse virar na escada. Subi degrau por degrau, cuidadosamente, tentando não fazer nenhum barulho.  

            Olhei em direção à varanda, que ficava em cima de meu quarto. Vi um menino sentado lá. Sozinho, como imaginara. Ele olhava para o lado, como se alguém tivesse com ele, fazendo companhia — a tal Aline. Tentei reconhecê-lo.

            O menino tinha o mesmo cabelo castanho, a mesma pele bronzeada. Não consegui perceber se tinha a mesma altura, ou se os olhos eram os mesmos. A voz era linda, a mesma voz melodiosa que me assombrava a noite, a mesma voz maravilhosa que ouvira esta manhã. Fiquei com vontade de chegar mais perto, mas tinha medo que percebessem minha presença.

            Até que Gustavo começou a falar mais baixo, olhando rapidamente para trás, como se tivesse me visto. Ele sorriu timidamente para onde provavelmente estaria Aline. Depois correu para um lugar e pareceu pular do prédio. Fui correndo para o lugar onde o menino estivera antes, tentei vê-lo caindo, mas não vi ninguém nem nada. A única coisa que conseguia ver era a vista. O cemitério maravilhoso, apenas com alguns postes iluminando a rua e a favela atrás, com uma música alta, como se estivessem festejando.         

            Voltei para meu quarto cansada, tentando não pensar em tudo o que tinha acontecido. Apesar de tentar, demorei para dormir, mesmo sem a voz. Mas desta vez, consegui dormir um pouco. Fiquei feliz de conseguir fechar os olhos e não escutar nada. Só conseguia ouvir o som, agora baixo, da festa que estava acontecendo na favela.